Mai 2007 - Observação do duelo vida/morte


Penso que a operação correu bem. Foram 3,5H na sala de operações. Não me lembro de nada pois além da anestesia raquidiana (parecida com a epidural) eu pedi ao médico que me desse algo para dormir durante a operação. Acordei meia atordoada e nem percebi bem o que os médicos comentaram acerca do que fizeram. Esta semana vou mudar o penso e saber melhor o que fizeram. Apenas me lembro vagamente que falaram em ter o joelho em mau estado.

Fui operada na sexta de manhã. Após sair da sala de operações começou a experiência inquietante de entrar em contacto com a realidade de Hospitais. S. Lázaro é um edifício construído no século passado que não está preparado para o fim a que se destina. Corredores estreitos, elevadores que mal chegam para caber uma cama. É uma experiência alucinante andar deitada numa maca a rasar as paredes e dobrar as esquinas dos corredores a confiar na perícia matemática dos maqueiros. Parece que a todo o momento vamos bater nas barras de protecção, nos carrinhos de medicamentos, em tudo.

Constatei que S. Lazaro é um hospital de velhotes …. em fim de vida. A média de idades deve rondar os 60 anos. Algumas velhinhas já não são gente. Parecem mais vegetais. Não falam, não se mexem, têm o olhar vazio. Têm pés partidos, fémures partidos, mazelas de quedas e desequilíbrios. Paira por aquelas salas e corredores a sombra da morte. Durante a noite não consegui dormir. Sentia que os espíritos das trevas andavam por ali, a festejar a ceifa das almas. Dançavam por entre as camas na escolha das próximas vítimas, aquelas mais frágeis, cujo sopro de vida as estava a abandonar. Os enfermeiros assemelhavam-se a um corpo de luta contra a escuridão mas, senti que os seus os esforços não dariam resultado em muitas das situações. Pedi para me darem algo para dormir, para me alhear daquele ambiente, mas sem sucesso. A médica não tinha prescrito a medicação, apenas analgésicos.

Às 7 da manhã mudou o turno. A enfermeira veio dizer-me que tinha autorização de alta para sábado e perguntou-me como queria fazer. A minha rápida resposta foi: Quero sair já! Liguei à minha mãe, ainda de madrugada e pedi-lhe que me viesse buscar o mais rápido que podia. Só queria sair dali, fugir daquele ambiente que, embora pintado de cor de laranja alegre, não era suficiente para disfarçar a sensação de impotência da vida perante a morte.

Durante o período em que fui às consultas externas de preparação já me tinha apercebido de que a maioria dos pacientes de ortopedia (e de outras especialidades) eram pessoas de idade. Mas nunca pensei encontrar o que vi.

Partilho aqui com todos algo que me perturbou profundamente. A operação, as dores que tive, não me incomodaram tanto como o ambiente que vivi.

POR FAVOR, TENTEM ENVELHECER TODOS NA MELHOR FORMA QUE PUDEREM. RESGUARDEM-SE, ALIMENTEM-SE BEM, FAÇAM DESPORTO E, PRINCIPALMENTE APROVEITEM A VIDA.

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