Abril 2007 - Crónica de uma Viagem a Marrocos


No passado mês de Abril (2007) participei num passeio a Marrocos organizado pela MOTOMIL em parceria com a Comunidade BMWCKLT, o qual contou com a participação de 35 pessoas, entre clientes do concessionário e membros da Comunidade. Neste passeio, com a duração de uma semana (de 31 de Março a 7 de Abril de 2007), a organização escolheu um percurso variado percorrendo os diferentes cenários de Marrocos. Assim, o passeio foi centrado no Sul do país, entre montanhas e deserto, em percursos de asfalto pensados para motos de estrada com alternativa de pistas de terra e areia para motos trail.


Crónica de uma Viagem a Marrocos

Já muito se tem falado de Marrocos e muitas são as fotos de viagens. Nesta crónica pretendo apenas falar deste passeio numa outra perspectiva – a VIAGEM. Começo por agradecer à organização, aos companheiros de viagem, a todo o calor humano, simpatia e boa disposição que nos acompanharam nesta semana fantástica. Faço aqui um resumo (sim porque muito mais haveria para escrever) sobre a aventura marroquina.

1ª Etapa – Lisboa - Marrakesh

A VIAGEM começou com o encontro às 6 da manhã para um pequeno-almoço gentilmente oferecido pelos nossos organizadores. Todos estávamos excitados, desejosos de ir para a estrada. Sandes, galão, cafezito … estamos todos … vamos lá embora. Máquinas a trabalhar e a estrada é nossa. O sol nascia e a coluna partiu. 18 Motos, um jipe e a carrinha de apoio às máquinas (e às malas).

A primeira parte foi rápida. À frente ia o co-produtor que liderou as hostes até à estação de serviço de Almodôvar. Recuperámos a meia hora de atraso da saída. Boa! Isto está a correr bem. Mal sabíamos nós que foi apenas um docinho do destino. Em terras algarvias, a chuva apareceu para nos fazer companhia e acompanhou-nos sempre em terras de nuestros hermanos. Rápida paragem para almoço, todos encharcados, alguns espremiam as meias, outros vestiam mais roupa. Mas a malta não desanimou. Vamos para África. Lá não chove!?

Estrada de novo, o vento decide fazer companhia à chuva. Muito transito. Lá à frente vejo a malta a parar. Vejo umas malas no chão. Caiu alguém. Nem quero olhar. Há um grupo à volta de uma moto caída. Espero. Não se vêm movimentos de pânico. Finalmente arranjo coragem para ir espreitar. Afinal foi só o susto. E que susto!!! Não há feridos. As roupas de protecção funcionam e Deus está connosco. A moto toda amachucada ainda rola. Vamos embora. Nova paragem. È preciso ver bem os estragos, descansar o espírito e expulsar o medo de novos desaires. A moto é carregada na carrinha. Vamos embora que se faz tarde.

O nosso organizador parte à frente. É preciso ir levantar os bilhetes do barco, já estamos atrasados. A coluna dispersou, a chuva continuou, o vento mostrou toda a sua força, as motos eram empurradas para a outra faixa mas mesmo a andar de lado, todos chegaram quase ao mesmo tempo. Perdemos o barco. Vamos no próximo. Duas horas depois embarcávamos. A chuva queria ir connosco.

Encharcados, cansados, esfomeados, já em Marrocos, deparámos com as formalidades fronteiriças marroquinas. É necessário ir à polícia carimbar o passaporte. É preciso carimbar o papel dos veículos. É preciso falar com aquele marroquino do carimbo. Está uma fila enorme de gente. Falta um número no papel. Falta mostrar o bilhete do barco. Falta … falta …. Já todos têm tudo? Não. Ainda faltam alguns. Corrida para aqui, papel para ali e três horas depois a coluna reunia-se atrás da organização a caminho do hotel. Finalmente chegámos. Oppsss…. a esta hora a cozinha está a fechar. O nosso paciente líder falou com a direcção e lá conseguimos jantar. Arrasados caímos na cama.


Alvorada às 7 da manhã. Vamos para sul. Aqui não deve chover. Engano! A nossa amiga água estava numa de ir de férias connosco. Auto-estrada marroquina, debaixo de chuva. Velocidade máxima – 120km/hora. Não dá para facilitar. A polícia está por todo o lado. Carrinhas paradas na auto-estrada, polícias a meio da estrada. Vamos com calma. Os marroquinos gostam de ver carros a passar. Famílias completas, sentadas alegremente nos rails acenam para nós. Cães, ovelhas e outros animais atravessam a auto-estrada na sua azáfama diária. Uma alegria!




A Viagem segue por uma estrada normal. Bom piso, sinalização, rebanhos, burritos, muita gente, a estrada tem vida própria. A chuva abrandou. Chegámos a Marrakesh. O hotel é soberbo.


Hoje podemos levantar tarde. 9 Horas estavam todos prontos para a visita à cidade. Passeio (a pé) pelas avenidas até ao centro, a famosa praça Jemaa el Fna e o bairro antigo. Milhares de lojas, milhares de vendedores, …“bom jour madame” …pratos, bijutarias, tapetes… lenços, especiarias, malas e tapetes, … cabedais, lenços, chinelas (made in china) e tapetes, … presentes, sumo de laranja, pratas, latões, tapetes … a confusão é total. Pelas ruelas estreitas vêem-se turistas, locais que puxam carretas com tudo o que se possa imaginar, mobylettes passam a alta velocidade, ouve-se falar um misto de linguagem que se percebe ser parecido com um francês espanholado, temperado com alguns termos em inglês arcaico ……“olá, que tal?” … Espanhol? …. Français? … Viens ici … Articles berbère. … Azáfama, turistas, cheiros intensos, muito colorido, tapetes, os flashes das máquinas fotográficas não param, o Doutor comprava tudo, esfusiante com um enorme saco dizia “je suis un peaux berbère” ….



No país dos contrastes onde as carroças estacionam lado a lado com belos Mercedes, vendedores pedem um preço por artigos que acabam por vender por um décimo. Temos de negociar, é preciso ter arte de cigano, … trot cher … combien? … non, je peaux pás … Alors ok !!! … Tá feito, compramos a pensar se fizemos um bom negócio ou se fomos redondamente enganados …


2º Etapa – Marrakesh – Ouarzazate - Erfoud


Partida para Ouarzazate. Só temos 200 km para fazer. Hoje vai ser um dia calmo. As motos foram todas revistas pelo Guru da mecânica (o Soeiro) que até conseguiu por a moto acidentada a andar, toda ela atada com fita isoladora e uns piscas e farolim fabricados com garrafas de plástico dignos de patente mundial. Estamos prontos. Montanha, subida, curvas, frio, aldeias, subida, curvas, casotas de cadeaux, subida, muito frio, curvas, a paisagem é sublime, curvas, mais uma venda, paragem para a foto, aparece um marroquino vindo do nada a vender cristais, curvas, a vista perde-se, muito mais frio, o silêncio é cortado pelo barulho do vento, curvas, subida, aldeias encavalitadas pela encosta, mais um marroquino aparecido por magia a vender fósseis, as montanhas ao fundo cobertas de neve, estamos no céu. A passagem pelo alto Atlas é de cortar a respiração!




 Paragem para almoço. A Mãezinha Rosinha preparou um belo pic-nic. Num restaurante gentilmente cedido para o ritual de assar o belo chouriço, os queijos tugas, o presunto, as salsichas e o panrico acompanharam a vinhaça nacional, tudo regado com uns simpáticos vendedores que já eram adeptos do Benfica e do Figo e que pediam aspirinas, stylos, bolachas para as crianças, enquanto atendiam os telemóveis ….


A Viagem continua … descemos a montanha, a paisagem começa a mudar, a terra está a secar, as rectas sucedem-se … em cerca de 100 km temperatura passa de 10 para 30 graus ….


Chegada a Ouarzazate, visitámos os estúdios de cinema onde rodaram os 10 mandamentos, o Gladiador e outras epopeias … ora estamos no Egipto, ora na Galileia ou em Roma …chegada ao hotel e tempo para um mergulho na piscina … Ou est que je peaux acheter un fatô-de-banhô?... Vamos jantar. Os nossos simpáticos patrocinadores da Motomil presentearam-nos com um excelente repasto, acompanhado com música e danças tradicionais cujas protagonistas fizeram inveja às mulheres locais. A boa disposição reinava!


Partida para Erfoud. Agora é que é!!! Deserto aqui vamos nós!!! Por uma antiga pista recentemente alcatroada, estamos no deserto de pedra. Planícies a perder de vista com as montanhas lá bem ao fundo, tufos de erva aqui e ali, passagem junto a cursos de água onde a vegetação floresce à sombra das palmeiras, mais paisagem seca, mais rectas, a estrada é estreita, passam muitos jipes, mais pedra, paramos para a foto, não há ninguém, afinal há crianças a nascer do chão, vamos andar, calor, pedra, passam algumas camionetas de excursão, cuidado não cabemos todos, fomos atirados para a berma.


Há bocados de estrada que faltam. Nos buracos as motos mais pesadas perdem os espelhos. No problem. O mister da ferramenta resolve tudo. Lá ao longe a paisagem está escura. Não, não pode ser chuva de novo. Surpresa, é pó. É areia. Aproximamo-nos e as motos abanam. O vento sopra com energia. A areia entra furiosamente por todo lado. É uma tempestade de areia … rápida, ciclónica, negra, desaparece com a velocidade com que apareceu. Foram só uns poucos km mas deu para perceber os caprichos da Natureza.


Segue viagem, o sol está a desaparecer, as cores são fantásticas, os olhos não conseguem abarcar a imensidão, as pedras misturam-se com a areia, anoitece, o céu é sublime, as estrelas são enormes.


Chegada ao simpático hotel que nos recebe com músicos tradicionais, não há elevador, as escadas são típicas, as portas trabalham ao ritmo lento do deserto fechando quando lhes apetece. O jantar é apetitoso. Há piscina e animais exóticos no jardim.


Erfoud! Visita à cidade e arredores. O grupo divide-se conforme os gostos. Uns vão para as pistas, outros por estrada normal até ao Erg Chebi, outros alugam jipes. Todos experimentam a aventura do deserto, rolam pelas grandes dunas, trazem areia em todas as dobras de roupa, bolsos e outros locais menos apropriados. Todos experimentam um raid dromedário, alguns precavidos passeiam em camelos com o capacete. Segurança acima de tudo!


O Doutor vai de moto atrás dos jipes que rodam pela pista. Leva as pernitas abertas qual pára-quedas. Cai. Levanta-se. Continua atrás. Vai lento mas vai! Começa a ganhar confiança. Cai. De repente é ultrapassado por uma mobylette. Acorda. Dá-lhe gás. Aí vai ele. Consegue chegar ao alcatrão à frente do berbère da mobylette. Desafio ultrapassado!!!!!





3ª Etapa – Erfoud – Tanger – Lisboa


Vamos madrugar. A viagem é longa. Esperam-nos cerca de 700 km. Partimos rumo ao Norte. Temos o médio Atlas pela frente. Começa a aventura climática. O frio surge aos poucos. A chuva decide acompanhar. Começamos a subir por uma estrada sinuosa, fria e molhada. Cada vez mais alto, é o dilúvio. Não se vê nada à frente. Aproximamo-nos da Floresta dos Cedros. O vento não quer ficar incógnito e sopra com força. Os ossos estão gelados. As roupas ensopadas. A paisagem está salpicada de branco. Que é isto??? … Flocos brancos??? … NEVE??? … Mãezinha porque me deixaste vir???


A paisagem é fantástica. Há penduras profissionais na arte de disparar fotos, (até com uma máquina em cada mão). A grande mancha escura das árvores sobressai do cinzento temporal que nos rodeia. Pena não ter tempo para ver tudo. A condução é perigosa. Não consigo mexer as mãos. Quero passar para o outro lado da montanha, talvez o tempo acalme. Começamos a descer. Instala-se uma cortina de nevoeiro que não deixa ver a moto da frente. Está tudo branco. A terra é branca, o ar está branco.




Finalmente saímos do branco. Já fizemos quase 400 km. Está quase. Só faltam cerca de 300km de auto-estrada. Agora vai ser mais fácil, apenas chove. A temperatura melhorou. Chegámos a Tanger ainda a horas de jantar. Boa.


Alvorada às 4:45 horas da manhã. A malta está cansada. Dormimos à pressa. Vamos para a fronteira a ver se apanhamos o 1º barco da manhã. O sol nasce já connosco na fila para os passaportes. A coisa corre bem. Estamos a caminho da Europa. Já em Tarifa o grupo divide-se. Começam as despedidas. Nos olhos de todos viam-se já as saudades. Se a vida o permitisse voltávamos já para trás, fazíamos tudo outra vez.


Chegámos todos bem. Acabou. Estou de rastos. Sonho com um banho de imersão, com a minha caminha quentinha, com uma noite de sono com mais de 5 horas ……


Mas amanhã já estou pronta para repetir a VIAGEM. Para repetir a camaradagem, as brincadeiras, a boa disposição, os quilómetros, o frio, a chuva, o sol, as tempestades, a beleza e as contradições de Marrocos.


Quero deixar um agradecimento especial ao Eng. Martins de Carvalho que nos guiou nesta aventura, sempre incansável, sempre protector, sempre preocupado, à Maria Rosa pela simpatia, pela alegria, pelos excelentes conselhos gastronómicos, ao Soeiro que sempre em último lugar não deixou ficar nenhuma moto para trás, constantemente a vigiar a mecânica sempre com simpatia e, principalmente, um grande Obrigado a todos os companheiros de viagem, tanto da Comunidade BMWCKLT como dos restantes que aderiram a esta magnífica aventura!!!



Sem comentários:

Enviar um comentário

Deixe comentário